Ludwig W I T T G E N S T E I N
AUSTRÍACO (Viena, 26 de Abril de 1889 — Cambridge, 29 de Abril de 1951)
AUSTRÍACO (Viena, 26 de Abril de 1889 — Cambridge, 29 de Abril de 1951)
Ludwig Joseph Johann Wittgenstein foi um dos principais autores da virada linguística na filosofia do século XX. Suas principais contribuições foram feitas nos campos da lógica, filosofia da linguagem, filosofia da matemática, e filosofia da mente. Muitos o consideram o filósofo mais importante do século passado.
Seu mais popular livro de filosofia publicado, o Tractatus Logico-Philosophicus, de 1922, exerceu profunda influência no desenvolvimento do positivismo lógico. Mais tarde, as ideias por ele formuladas a partir de 1930, e difundidas em Cambridge e Oxford, também impulsionaram um outro movimento filosófico — a chamada "filosofia da linguagem comum".
Seu pensamento é geralmente dividido em duas fases. Para identificá-las, muitos autores recorrem ao artifício de atribuir os escritos da juventude ao Primeiro Wittgenstein e a obra posterior ao Segundo Wittgenstein, como se designassem autores distintos. A cada um desses períodos corresponde uma obra central na história da filosofia do século XX. À primeira fase, pertence o Tractatus Logico-Philosophicus, livro em que Wittgenstein procura esclarecer as condições lógicas que o pensamento e a linguagem devem atender para poder representar o mundo. À segunda fase, pertencem as Investigações Filosóficas, publicadas postumamente, em 1953. Nesse livro, Wittgenstein trata de tópicos similares aos do Tractatus (embora sob uma perspectiva radicalmente diferente) e avança sobre temas da filosofia da mente ao analisar conceitos como os de compreensão, intenção, dor, e vontade.
PRINCIPAL OBRA
Em vida, os únicos trabalhos filosóficos publicados por Wittgenstein foram o Tractatus Logico-Philosophicus e o artigo "Some Remarks on Logical Form". O primeiro é a obra-prima do jovem Wittgenstein; o segundo, uma tentativa de reparar alguns dos problemas do Tractatus. A vasta produção que caracteriza a segunda fase de sua filosofia só veio a público após sua morte por meio de livros organizados, traduzidos e editados pelos herdeiros de seu espólio literário. O livro Investigações Filosóficas, publicado em 1953, é o mais importante dessa segunda fase.
O TRACTATUS LOGICO-PHILOSOPHICUS
O objetivo imediato do Tractatus Logico-Philosophicus (TLP) é explicar como a linguagem consegue representar o mundo. Mais especificamente, Wittgenstein pretende mostrar como uma proposição é capaz de representar um estado de coisas real ou possível. A resposta de Wittgenstein a esse problema ficou conhecida como "teoria pictórica do significado", pois estabelece que uma proposição é uma representação figurativa dos fatos, assim como uma maquete é uma representação figurativa de um edifício (TLP 4.01). A princípio, pode parecer estranha essa sugestão, pois há similaridades nítidas entre a maquete e o prédio que essa representa, ao passo que não há similaridade evidente entre a frase "A neve é branca" e o estado de coisas que essa frase representa (TLP 4.011). É nesse ponto que intervém a análise lógica. A semelhança entre a maquete e o prédio é assegurada por uma isomorfia espacial - as relações espaciais entre os diversos elementos que constituem a maquete são as mesmas, se convertidas conforme as escalas empregadas, que as vigentes entre os elementos constitutivos do prédio. Do mesmo modo, segundo Wittgenstein, as relações entre os elementos básicos de uma proposição - os nomes próprios lógicos - guardariam entre si, segundo um método de projeção adequado, as mesmas relações lógicas vigentes entre os objetos simples que constituem o estado de coisas representado (TLP 4.01; 4.0311). Sendo assim, se reduzíssemos a frase "A neve é branca" aos termos de uma notação lógica perfeita (TLP 3.325), obteríamos um estrutura simbólica cuja forma lógica seria igual à forma lógica do estado de coisas que a frase representa (TLP 2.18).
A proposição dotada de sentido constrói um modelo da realidade (cf. TLP 2.12; 4.01). A realidade pode ou não corresponder a esse modelo (TLP 4.023). Em outras palavras, a proposição dotada de sentido tem a propriedade intrínseca da bipolaridade - em princípio, tanto pode ser verdadeira como falsa. Como corolário dessa propriedade, qualquer afirmação sobre fatos do mundo é necessariamente contingente.
No Tractatus, todas as proposições necessariamente verdadeiras - aquelas que não precisam ser confrontadas com a realidade para que se saiba se são verdadeiras - são tautologias, isto é, são combinações de proposições elementares cujo valor de verdade depende apenas das possíveis combinações de valores de verdade dessas mesmas proposições elementares. Assim, por exemplo, a proposição disjuntiva "p ou não-p" sempre será verdadeira, uma vez que para ser falsa é necessário que as duas proposições sejam falsas, mas quando p é falsa, não-p é necessariamente verdadeira, e vice-versa. Essa proposição, assim como é o caso de todas as tautologias, é construída de tal forma que independentemente dos valores assumidos pelas proposições elementares a proposição complexa sempre será verdadeira. Contudo, o custo da necessidade lógica é a vacuidade descritiva, ou seja, uma proposição necessariamente verdadeira não diz nada sobre a realidade.
No quadro geral desenhado pelo Tractatus, temos, portanto, as seguintes proposições:
As proposições factuais: proposições contingentes que figuram os fatos; seus valores de verdade (verdadeiro ou falso) dependem de uma confrontação com a realidade;
As tautologias: proposições complexas, necessariamente verdadeiras, mas destituídas de conteúdo descritivo;
As contradições: proposições complexas, necessariamente falsas, e também destituídas de qualquer conteúdo descritivo.
Wittgenstein deixa esse quadro um pouco mais complexo ao introduzir a distinção entre dizer e mostrar. Ele defende que, apesar de não veicular um conteúdo descritivo, isto é, de não poderem dizer nada sobre o mundo, as proposições lógicas mostram algo a seu respeito. Do mesmo modo, as proposições da metafísica tradicional (como, por exemplo, "O ser sempre é") seriam tentativas malogradas de dizer algo que só pode ser mostrado.
A distinção entre dizer e mostrar abre um campo para os valores e para o místico. Do lado discursivo, as proposições da ética ou são contrassensos, absurdos, construções sem sentido ou são meras convenções comportamentais. Em ambos os casos, tais proposições não conseguem alcançar o que haveria de fundamental na ética. Isso porque, na perspectiva do Tractatus, o que é fundamental à ética só pode ser mostrado, não pode ser dito.
O Tractatus delimita os limites da linguagem. Tenta explicitar as condições de possibilidade da própria figuração proposicional. Simultaneamente, tenta levar o leitor a vislumbrar algo que está além desses limites. Se a proposta é confrontada com os próprios aforismos do livro, fica evidente que as proposições do Tractatus também transgridem as regras impostas às proposições signiticativas. Também elas seriam contrassensos:
"Minhas proposições elucidam dessa maneira: quem me entende acaba por reconhecê-las como contrassensos, após ter escalado através delas – por elas – para além delas. (Deve, por assim dizer, jogar fora a escada após ter subido por ela.)
Deve sobrepujar essas proposições, e então verá o mundo corretamente."
— Wittgenstein. Tractatus, 6.54.
Ao decretar que as proposições sobre o místico, sobre Deus, sobre a ética e sobre a estética são todas absurdas do ponto de vista dos requisitos lógicos para a construção de proposições significativas, Wittgenstein não está descartando os "objetos" dessas proposições como coisas grotescas ou sem importância. Ao contrário, está sugerindo que a ética, a estética e a dimensão mística são transcendentes - não estão ao alcance de nossa linguagem. Desse modo, a melhor atitude em relação a essas coisas transcendentes seria a de manter um respeitoso silêncio.
"Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar."
— Wittgenstein. Tractatus, 7.
AS INVESTIGAÇÕES FILOSÓFICAS
Enquanto, no Tractatus, Wittgenstein esforçava-se por desvelar a essência da linguagem, nas Investigações Filosóficas (IF) ele afirma que essa tentativa está fadada ao fracasso, simplesmente porque não há qualquer essência a ser descoberta. O segundo Wittgenstein defende que a linguagem não seria um todo homogêneo, mas, sim, um aglomerado de "linguagens" (IF §65).
Para esclarecer esse ponto, Wittgenstein traça uma analogia entre a noção de linguagem e a noção de jogo. Há diversos tipos de jogos: jogos de tabuleiro, jogos de cartas, competições esportivas, etc. Mas não há uma essência dos jogos. Um jogo de cartas apresenta semelhanças com os jogos de tabuleiros, mas também muitas diferenças; se compararmos esses últimos com os jogos de bola, surgirão outras semelhanças e outras se perderão (IF §66).
O que há é uma sobreposição de traços que Wittgenstein chama de semelhança de família. Numa família, alguns partilham a mesma cor do cabelo, outros partilham a mesma estatura, outros o tom de voz, etc. Mas geralmente não há característica que esteja presente em todos os membros da família. O mesmo ocorre com o conceito de “jogo”. Chamamos práticas muito diferentes de “jogo” não porque haja uma definição exata que esteja implícita em todas as aplicações do termo, mas porque essas diversas práticas manifestam semelhança de família (IF §67).
Analogamente, as diversas práticas linguísticas são reunidas sob a denominação de “linguagem” em virtude de suas semelhanças de família. Em linha com o símile entre linguagem e jogo, Wittgenstein chama os segmentos heterogêneos da linguagem, com suas regras, convenções e finalidades próprias, de jogos de linguagem (IF §7).
O jogos de linguagem são múltiplos e variados, e atendem a finalidades diversas: às vezes empregamos a linguagem para dar ordens, às vezes para pedir desculpas, outras vezes para fazer piadas, etc (IF §23). Supor que a função primordial da linguagem seja a de descrever ou representar os fatos é uma generalização precipitada, provocada pelo equívoco de se tomar um jogo de linguagem particular como paradigma de todos os demais.
Para o Wittgenstein das Investigações, o significado de uma palavra é estabelecido pelo uso que se lhe dá num determinado jogo de linguagem (IF §43). Para saber o que significa essa palavra, nesse jogo de linguagem, a melhor estratégia é descrever os traços mais destacados desse jogo e revelar qual é o papel desempenhado pela palavra em questão.
A concepção do significado como uso afasta a proposta de Wittgenstein de duas ideias tradicionais a respeito da linguagem. Uma delas é a de que o significado de um termo é dado por um objeto, substituído nas frases pela palavra que lhe é associada. A outra é a de que um conceito ou um significado seriam entidades mentais que acompanham a pronúncia ou audição de uma expressão linguística. Para Wittgenstein, as ocorrências mentais ou psicológicas que acompanham, antecedem ou sucedem o proferimento de uma expressão linguística são irrelevantes para a constituição do seu significado. O que interessa saber é o que o falante ou ouvinte faz com essa expressão.
Desse modo, Wittgenstein também argumenta que a ideia de uma linguagem privada é incoerente, pois a linguagem é antes de tudo uma prática pública, e suas regras e convenções devem estar à disposição de qualquer falante. Se um indivíduo tentasse elaborar uma linguagem privada – suponhamos que ele tentasse, por exemplo, associar sinais a ocorrências mentais privadas, às quais ninguém mais teria acesso – esse conjunto de sinais, de acordo com as Investigações, não chegaria a constituir uma linguagem propriamente dita. O que diferencia um sinal linguístico de um mero ruído ou de um simples rabisco é a sua sujeição a um padrão de correção; mas não se pode construir padrões de correção para sinais associados a 'objetos' a que, supostamente, só o falante de uma linguagem privada teria acesso. (cf. IF §§258-260).
Um termo assume significado à medida que encontra um lugar numa determinada prática e seu emprego passa a ser controlado por regras públicas de correção. O jogo do qual faz parte está inserido na realidade prática e social da comunidade dos falantes. Segundo Wittgenstein, os problemas filosóficos surgem quando a linguagem "sai de férias" (IF §38), ou seja, quando a linguagem é artificialmente separada do seu ambiente próprio e de seus usuários. "A linguagem é uma parte (...) de uma forma de vida", diz Wittgenstein (IF §23). A linguagem, tal como apresentada nas Investigações, deixa de ser um mero veículo de informações para converter-se numa atividade profundamente enraizada no contexto social e nas necessidades e aspirações humanas.
OBRAS
Diamond, Cora (ed.) Wittgenstein's lectures on the foundations of mathematics. Cambridge, 1939: from de notes of R. G. Bosanquet, Norman Malcolm, Rush Rhees, and Yorick Smythies. Ithaca, N.Y.: Cornell University Press, 1976.
Edmonds, David & Eidinow, John. O atiçador de Wittgenstein: a história de uma discussão de dez minutos entre dois grandes filósofos. Tradução de Pedro Jorgensen Jr. Rio de Janeiro: DIFEL, 2003.
Glock, Hans-Johann. Dicionário Wittgenstein. Tradução: Helena Martins; revisão técnica: Luiz Carlos Pereira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
Grayling, A. C. Wittgenstein. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
Malcolm, N. Ludwig Wittgenstein: a memoir. Oxford: Oxford University Press, 1958.
Monk, Ray. Wittgenstein: o dever do gênio. Traduzido por C. A. Malferrari. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
VALLE, Bortolo; MARTíNEZ, Horácio; PERUZZO JÍNIOR, Léo. Wittgenstein: Perspectivas. Curitiba: Editora CRV, 2012.
von Wright, G. H. Ludwig Wittgenstein: a biographical sketch. Philosophical Review, Vol. 64, n. 4, 1955.
Wittgenstein, Ludwig. Investigações Filosóficas. São Paulo: Abril Cultural, 1975. (Coleção "Os Pensadores").
Wittgenstein, Ludwig. O livro azul. Lisboa: Edições 70, 1992.
Wittgenstein, Ludwig. O livro castanho. Lisboa: Edições 70, 1992.
Wittgenstein, Ludwig. Anotações sobre as cores. Lisboa: Edições 70, 2000.
Wittgenstein, Ludwig. Da certeza. Lisboa: Edições 70, 2000.
Wittgenstein, Ludwig. Tractatus logico-philosophicus. São Paulo: Edusp, 2001.
Wittgenstein, Ludwig. Observações filosóficas. São Paulo: Edições Loyola, 2005.
FONTE - https://pt.wikipedia.org/wiki/Ludwig_Wittgenstein